quinta-feira, 26 de novembro de 2009

Cantor de Pizzaria



18h30. Chove torrencialmente. O forno da pizzaria está quente. O garçom
de Arapiraca (AL) está com um frio "retado", recém chegado na capital
ainda não foi ao Brás comprar blusa.

Apenas um cliente bebe cerveja, enquanto aguarda a meia pizza. Os
motoqueiros (entregadores de pizza) chegam paramentados parecidos com
escafandristas urbanos: macacões impermeáveis, jaquetas de couro, botas
e capacetes. Ensopados, lastimam: "o trânsito desta sexta feira está
infernal. A cidade parou. Nas próximas 6 horas o bicho vai pegar". Com
este tempo, pizza para viagem com novela é o programa predileto dos
paulistas.

Chego. Determinado, sento de frente a tv, junto ao forno para
aquecer-me. Peço uma cerveja preta, apesar do preço é a única bebida que
me apetece. Neste fim de outono, depois do trabalho e do trânsito
fatídico, deixo tudo para trás, inclusive os problemas. Relaxo e agora
sou só: cerveja preta, franguinho grelhado, alegria e música. Música?
Chamo o garçom, pergunto pelo cantor da casa e sou informado: "só às
19hs".

19h30. A pizzaria ainda vazia. Em dias mais quentes, há esta hora, a
pequena pizzaria está cheia e existe até uma disputa por lugares nas
mesas da calçada. Hoje, ao relento.

Entra um freguês, procura um lugar, senta-se, pede conhaque, reclama do
tempo e pergunta pelo cantor. De pronto responde o balconista:

"Ele só começa a cantar às oito. Já deve esta estourando por aí".

20h30. Um grupo de amigas senta-se na mesa maior para 6 pessoas. Entra
um casal. Mais três amigos. O clima começa a esquentar e o movimento vai
aumentando: pizzas, sucos, garrafas de vinhos, cervejas e refrigerantes
começam a circular do balcão para as mesas. Garçons, motoqueiros e
pizzaiolo estão a todo vapor.

21h30. Bebi, comi. Joguei conversa fora com o garçom, bati papo com um
camarada da mesa ao lado, assisti meio por cima a novela das seis, das
sete e até um pouco do jornal. Já to quase chapado. Nem lembrava mais
que o motivo de ter ido até a pizzaria era a música ao vivo, quando não
mais que de repente entra apressado com o violão em punho o cantor. Vai
direto ao caixa, se desculpa com o dono. Justifica o atraso: "O transito
está péssimo, a cidade está um caos".

Nem bem o cantor afina o violão e liga o microfone, faço logo o primeiro
pedido: Linha do Equador do Djavan. E antes do cantor dizer algo,
emendei: "como cheguei primeiro, manda também a das Laranjeiras, com a
Cássia Eller". Canto, simulo um solo de guitarra, arrisco uma percussão
na mesa. Esqueço as horas.

Começam os pedidos musicais, de todos os lados: escritos em guardanapos
amassados, aos berros das mesas de fundo ou carinhosamente
sussurrados ao pé do ouvido do cantor por alguma garota mais
delicada.

Profusão de pedidos: "a do Jota Quest", "aquela dos Paralamas", "a do
Zé Ramalho", "a outra do Alceu que você cantou a semana passada,
lembra?", "Pais e Filhos do Renato Russo". E uma do Raul para o cara da
mesa do fundo, outra do Lulu para a garota de verde da mesa oito. "Toca
outra vez Zé" grita outro. Entre tantos pedidos o cantor resmunga
baixinho: "vou cantar uma que eu gosto". Canta Pérola Negra do Luiz
Melodia.

Mas como tudo que é bom, apesar da chuva, das cervejas, das
pizzas e dos vinhos, acaba rápido. O dono da pizzaria faz um
pedido: "canta só mais uma e encerra, vou fechar a meia noite".


A freguesia embalada pelos gorós, pela música, enfim pela alegria,
inicia os pedidos da "saideira" e "só mais uma do Skank". Sob protesto
da freguesia, que ameaça não mais voltar na próxima semana se os pedidos
não forem atendidos, o dono fecha o caixa, o segurança fecha a cara, o
pizzaiolo tira o avental, o garçom ainda simpático passa um pano nas
mesas e c´est fini.

Eu, que já estava quase indo embora quando o cantor chegou, pago a
conta, também resmungo com o dono, queria mais uma, mas não tem jeito. O
Cantor desliga o microfone, guarda o violão, e promete para a próxima,
atender todos os pedidos que desta vez não foram possíveis. E a chuva lá
fora cai mais forte ainda.

Moacir Oliveira

domingo, 22 de novembro de 2009

Parabéns aos Músicos



Hoje, ao acessar o blog de Laura Macedo no Portal Luis Nassif,descubro que hoje se comemora o dia do Músico, com essa bela iniciativa em Teresina: http://blogln.ning.com/profiles/blogs/no-dia-do-musico-um-presente.Mais um motivo de alegria musical.

É impressionante o bem,que a música faz para nossas vidas.E não é esta para mim uma descoberta recente,sou apaixonado por música desde minha infância.

Mas,ontem após a apresentação de João Bosco e a Orquestra de Heliópolis, no Teatro Municipal de Osasco,fiquei emocionado ao lembrar da Orquestra de Cordas do SESC,onde fui aluno do Maestro Alberto Jaffet ,idealizador do projeto de formação musical coletiva .

Todos instrumentos participavam juntos nas aulas e o resultado era apresentado pela orquestra em concertos programados nos mais diversos locais públicos:escolas,clubes,penitenciarias,teatros e praças sempre gratuitamente.

A música nos eleva espiritualmente,,nos capacita à disciplina nos desenvolve o raciocínio e nos educa socialmente. Para tocarmos em conjunto é preciso se atentar,à dinâmica,ouvir o outro,saber o momento certo de tocar forte,de tocar fortíssimo,piano ou pianíssimo.Isto nos habilita à conviver harmonicamente e saber que cada semínima,é de vital importância em uma composição.

A Orquestra da comunidade de Heliópolis,é um exemplo do quanto a música é capaz de mudar destinos conceitos e condições sociais.Durante os aplausos do belo concerto de ontem,imaginava o que se passava com cada um daqueles jovens músicos,pois suas origens, são idênticas às minhas.

A emoção de estar executando um instrumento é tão maravilhosa, que muitas vezes cheguei às lagrimas, ao executar junto da saudosa Orquestra de Cordas do SESC,partes da “Nona Sinfonia” de Beethoven ou “O Samba Matuto” de Marlos Nobre.

Agora, sou um ouvinte (Segundo, Hermeto Pascoal:Quem ouve também compõe.) pois não dei continuidade ao estudos de contra baixo,mas continuo indo às lagrimas, vez por outra quando sou arrebatado pela música, que jovens músicos se esmeram em executar .Pois bem sabemos, o quanto de estudo e ensaios são necessários para interpretar com alma e tocar almas.

Felicidades e prosperidade à todos os músicos.

JOÃO BOSCO E SINFÔNICA HELIÓPOLIS

Domingo, 22 de novembro, às 17 horas

No Parque Municipal Dom José

Rua Ângela Mirela, 550, Vila Porto

Gratuito

Mais informações: 4199-1600

sexta-feira, 20 de novembro de 2009

A mão da limpeza






Moacir: No seu disco "Raça Humana", você tem uma música que gerou polêmica entre brancos e negros chamada "Mão da Limpeza", seria por que essa música toca nesse preconceito dito não existente no Brasil e que as pessoas não assumem?


Gil: Acho que toca diretamente na questão. Acho que esta política de impingir ao negro uma inferioridade para autenticar e facilitar com isso a dominação sobre o negro, que foi basicamente o processo que se encontrou na escravidão na colonização brasileira. 

Ao longo da história das relações negros e brancos no Brasil, o branco imputava ao negro uma desqualificação humana. Desqualificava o negro numa instância secundária, quase como não humana, para poder tratá-lo como animal, para poder exercer, para poder escravizar, para poder usar essa força de trabalho, etc. Tudo isso que a gente sabe. 

A política do branco era essa: considerar o negro como um ser não humano, inferior, etc. Entre milhares de estratagemas para isto, um deles era essa coisa, esse ditado tão popular: "negro quando não suja na entrada, suja na saída", que é uma forma de dizer: negro é igual a um animal qualquer, igual a um gato que está sempre sujando. Ou seja, era uma forma de dizer que o negro não pensava, que o negro não tinha cabeça e que o negro era apenas corpo. Não tinha alma. Eram formas de negação absoluta do nível humano ao negro. 

Então eu tentei com essa música devolver esta maldição, dizer: Não é assim, fazer o feitiço virar contra o feiticeiro, de uma forma absolutamente indiscutível porque uma leitura um pouco mais profunda da música o que demonstra ?
Que toda coisa que está aí, este mundo, esta civilização Ocidental extremamente suja poluída, a degradação do meio ambiente (risos), tem tudo a ver com o branco.

Na civilização Ocidental, o negro não tem nenhuma participação. Não foi ele que industrializou o mundo, não é ele que faz Itaipu, Carajás, não é ele que fez usinas atômicas. A força do trabalho sempre foi dele. No fundo ele sempre "limpou".

Quem são as lavadeiras, as cozinheiras, o mundo escravo que sempre serviu aos senhores? No fundo o que a música quer dizer é isso. Quem foi que sempre limpou as latrinas das casas grandes dos senhores? (risos). Sempre foram os negros. 

Então como é que eles é que são os sujos? (risos). Eu sei que é uma música complexa, polêmica, os negros mais politizados tiveram uma reação negativa em relação à ela, porque argumentavam que ela levanta o problema, mas não propõe soluções, mas e daí?  Levantar uma questão em determinados casos já é o suficiente.

Moacir: Pode até acabar o ditado?

Gil: Sem dúvida. Eu noto quando eu canto, o entusiasmo das pessoas e principalmente dos brancos no sentido de se entenderem irmanados, um pouco mais racialmente, a partir de um alerta como esse que a música faz. É de novo aquela questão: não me sinto nada culpado ou arrependido de ter feito uma coisa dessa. Pelo contrário, me sinto gratificado.



Entrevista inédita que Gilberto Gil me concedeu em 1985.A integra estará em meu livro.

quinta-feira, 19 de novembro de 2009

Novos Baianos,sempre novos.



Em 1975 a Rádio América AM, apesar de pertencer à igreja Católica, transmitia todas as noites, à Meia Noite o programa “Kaleidoscópio”, apresentado e produzido por Jacques. No ar muito rock em uma hora de som. Lançava novos discos, tocava os tão procurados discos piratas, dava dicas dos eventos.Alguns ouvintes tinham o privilegio de ouvir o programa dentro do estúdio, os que não conseguiam entrar, ficavam na porta da emissora, que virou um ponto de encontro dos roqueiros.

Numa destas audições, o Jacques informou, que no domingo à tarde, iriam se apresentar os Novos Baianos, no Colégio Equipe.(Rua Martiniano de Carvalho, próximo à Avenida Brigadeiro Luiz Antônio, Bela Vista)

Convidei alguns camaradas, mas ninguém se interessou em ir, na verdade não conheciam o som dos Novos Baianos.
Fiquei durante todo final de semana pensando: como faria? Decidi ir só.
Com o Metrô tudo ficou mais fácil, era só descer na estação São Joaquim, seguir pela R. Pedroso e estava lá.
Não deu outra. Vesti uma camiseta surrada, a calça Levis, (de contrabando peça rara) calcei as havaianas. E fui
“Caia na estrada e perigas ver...”

Quando cheguei à porta o primeiro susto: nunca havia visto tantos malucos juntos. As meninas todas de: saías, batas indianas, muitas bijuterias, sandálias e bolsas de couro.

O bar em frente lotado, cerveja rolando de montão, e eu ali: entre a porta do bar e a bilheteria, achava que não iriam me deixar entrar, pois só tinha treze anos.
Quando quase todos já haviam entrado, respirei fundo, pedi o ingresso, e sem olhar muito para ninguém, aproveitei à entrada de uma turma e pronto. Estava no pátio interno do Equipe

A platéia sentada no chão, um pequeno palco ao ar livre, o sol lindo.
Entra no palco o apresentador: Serginho Groisman, fala do projeto organizado pelo departamento de cultura do colégio, dirigido e organizado pelos próprios alunos. Comenta rapidamente sobre a banda que vai se apresentar e logo em seguida, chama ao palco Os Novos Baianos.

O time atacou com uma levada de bossa, Samba, choro que virava rock, um teleco- teco cheio de ziriguidum. Pepeu(guitarra,bandolim,violão), Baby e Paulinho Boca de Cantor(vocais), Jorginho(bateria e cavaquinho), Didi(contra baixo), Charles, Baixinho e Bola(percussão). Uma porrada de música e alegria.

Para a surpresa de todos, chegou simples e discreto: Gilberto Gil, calça e jaqueta jeans, e bolsa de couro cru. Sentou em posição de lótus, abriu a bolsa, sacou uma garrafa de Jurubeba, deu alguns goles e pôs "pra rolar". Juntou: a fumaceira e a Jurubeba, o som mais agitado, até que todos já estavam dançando.

De repente, Baby chama Gil ,ele arrasta um banquinho, pede um violão para Pepeu, e começa a cantar “Jeca Total”. Todos inclusive os Novos Baianos, sentaram-se ao redor de Gil. Ele cantou três músicas, do LP “Refazenda”.Palmas, gritos e assovios para GIL...

Pepeu assumiu o comando da guitarra baiana, saiu rasgando um solo de trio elétrico. Só morto nesta hora pra não cair na folia. Subimos no palco, pegamos os instrumentos de percussão: Pandeiro, Maracá, Agogô, Triangulo. Quando demos por nós, o som acabou e o sol se pôs.

Na volta para casa preferi ir de ônibus. Sai do Equipe vibrando,e já pensando na próxima vez.
Subi à Brigadeiro Luis Antônio, deparei com prédio do Exercito.A euforia misturou-se, com um frio na espinha,olhei bem para o soldado da guarita e pela primeira vez, senti o peso daqueles anos.

Os Novos Baianos, vestiu como uma luva, meu gosto musical, já acompanhava as apresentações no Programa do Chacrinha.O carnaval o samba, o choro eram comuns aos meus ouvidos. As guitarras e as pegadas do rock, já estavam plantadas em minha cabeça.
Não via à hora, de encontrar à turma do rock para contar sobre o show.
No final de semana seguinte,quando nos reunimos na casa do Marquinhos, (o único da turma que estudava guitarra) comecei a falar com a maior euforia dos Novos Baianos: dos solos do Pepeu que eles não conheciam, das músicas de Gil que eles ignoravam.

A turma do rock curtia: Mutantes, Terço, e sempre discutiam: quem era o melhor guitarrista:Sérgio Haidis do Terço, Sérgio Dias do Mutantes,o Luiz Carlline do Tutti Frutti,ou Celso do Made in Brasil. Eu conhecia estes todos e insistia:o melhor era o Pepeu. Mas não tinha nenhum disco para comprovar.

Ainda este ano, a Revista Pop especializada em rock, decidiu premiar, os melhores do rock nacional, em diversas categorias: melhor banda, melhor disco, melhor guitarrista etc.. O show de entrega dos prêmios, foi no Ginásio da Portuguesa, no Canindé.

Mais de dez bandas, apresentaram-se: Mutantes, Terço, Som Nosso de Cada dia, Made in Brasil, Joelho de Porco, Bicho da Seda entre outras.
Desta vez, insisti pra turma me levar. Eu era, uns quatro anos mais novo que todos e corria o risco de não entrar.
O trato foi o seguinte: se por causa da idade,eu não conseguisse entrar,voltaria sozinho para casa. Era ,pegar ou largar?Peguei,e me dei bem, não tive problemas para entrar.

Durante a premiação, as bandas iam revezando-se no palco. Na platéia: músicos, críticos de música, e público, era uma coisa só. Muita fumaça, bolinha e som muito som.
O prêmio de melhor guitarrista ( para minha alegria)foi para: Pepeu. A turma do rock não acreditou, mas quando os Novos Baianos entraram no palco, todos se renderam aos solos e ao suingue do guitarrista baiano.


Durante meses, andei por todas as lojas de disco da cidade, para comprar o novo disco dos Novos Baianos “Caia na Estrada e Perigas Ver”. À final precisava chegar em casa com o meu primeiro LP debaixo do braço, e na primeira oportunidade pôr “pra rolar” o som, nas tardes de sábado, para turma do rock.

Dia 11.11.76, cheguei em casa ansioso,corri para o toca-discos,chamei à família, e em alto e bom som,ouvimos animadíssimos. Não só uma vez, mas logo três em seguida.
Foi um longo tempo de espera,entre o show, do Equipe e o Lançamento de “Caia na Estrada e Perigas ver”.

Repertório diversificado: o choro de Valdir Azevedo “Brasileirinho”, que depois da execução do tema original: “pandeiro,cavaquinho e o violão na marcação” interpretado por Baby,vira um super rock: “guitarra,bateria e o baixão na marcação”.
Gravaram: Jackson do Pandeiro “Ziriguidum”, e as letras de Galvão:“Na Banguela” “Viver num ar poluído ou morar no Arpoador...” um Rock pesado em parceria com Pepeu, e a sensibilíssima: “Sensibilidade da Bossa” “Ainda sou o amor o sorriso e a flor,mas que agora apareceu mais um espinho” bossa nova, cantada por Paulinho Boca, num reconhecimento, público- musical da importância de João Gilberto na opção mais samba, que o grupo vinha amadurecendo desde “Acabou chorare”.( disco de 72, ainda com a participação de Moraes Moreira)

Os Novos Baianos sintetizou a inspiração dos 70, tanto no que diz respeito ao comportamento quanto à música.
Vivendo em comunidade numa uma cobertura no bairro de Bota Fogo, Rio de Janeiro e depois num sitio em Jacarepaguá RJ, misturavam: futebol,samba,choro rock,fumo e LSD, numa alquimia que só eles poderiam formular,fruto da origem baiana da maioria de seus integrantes,mais a energia e despojamento carioca de Baby. Em "Caia na Estrada e Perigas Ver",João Gilberto é homenageado,em "Suor do Som"(Jorginho e Galvão) "João,gira na bola,João gira na vitrola..."numa interpretação totalmente cool de Baby.

Como fazia, Caetano:"Todos os anos passar pela casa dos Novos Baianos..."
João Gilberto,amigo de Galvão, lá de Juazeiro,BA onde nasceram,também visitava o grupo e nas intermináveis horas de música,desfiava um rosário de pérolas da música brasileira.Fonte de água pura para o som dos Novos Baianos.

Moacir Oliveira

Texto inédito do livro que estou escrevendo sobre MPB.

Festival de Cinema de Brasília.

Filhos de João, Admirável Mundo Novo Baiano
direção: Henrique Dantas
documentário, cor, 35mm, 75min, BA, 2009



O filme traça um rico panorama da Música Popular Brasileira dos anos 60 e 70, através do revolucionário e inovador grupo musical Novos Baianos. Particularmente, trata da influência de João Gilberto sobre os rumos musicais do grupo e da importância do mesmo para o aprimoramento da música tocada e composta por eles. Traz uma retrospectiva do estilo de vida comunitário adotado durante algum tempo e a influência sobre os resultados no trabalho. Temas como contracultura, carnaval do Brasil, cinema, tropicalismo, ditadura militar, dentre outros, circulam em torno das vivências do grupo, trazendo necessárias e importantes reflexões para a compreensão da cultura contemporânea no Brasil. O filme traz raros e inéditos materiais de arquivos, MPB da melhor qualidade e participações especiais de Tom Zé, Rogério Duarte, Orlando Senna, entre outros.



elenco: entrevistados: Tom Zé, Orlando Sena, Rogério Duarte, Mário Luiz Tompsom de Carvalho, Solano Ribeiro, Joildo Góes, Nonato Freire e Armandinho. E os integrantes do grupo: Moraes Moreira, Galvão, Baby do Brasil, Pepeu Gomes, Paulinho Boca de Cantor, Dadi, Didi Gomes, Jorginho Gomes, Gato Félix, Bola Moraes (em memória) e Charles Negrita

produção executiva: Henrique Dantas
roteiro e montagem: Henrique Dantas e Bau Carvalho
fotografia: Hans Herold
som: Nicollas Hallet
música original: Novos Baianos e Roberto Barreto
produtora: Hamaca Filmes

terça-feira, 10 de novembro de 2009

A ditadura,vista de longe.


“Todos juntos vamos pra frente Brasil”

O homem pisou na lua, os tratores chegaram à minha rua. Logo colocaram os paralelepípedos, e o “Tremendão”,(ônibus) passou a fazer ponto final ao lado de nossa casa.O progresso chegava à porta.

No inicio dos anos setenta só falava-se na copa do mundo do México.
Até então, nunca havia ouvido falar tanto dos militares, a não ser quando meu pai comentava com certa magoa: “O Castelo Branco, morreu na queda do avião, por castigo de São Pedro, ele tirou o feriado de 29 de julho, dia do Santo”.

Com à polemica em torno do técnico João Saldanha, que havia perdido o cargo para Zagalo, sobre a acusação de ser comunista,ouvi falar novamente nos militares. Já com um certo temor, pois começava a entender porque eram tão respeitados: tiravam feriados, mudavam técnicos de seleção...

O Brasil venceu a copa. O campinho de terra batida onde jogávamos bola, nunca foi tão concorrido, todos queriam ser: Pelés, Tostões, Rivelinos.
Como nem todos tinham Congas,( precário tênis da época ) jogávamos bola calçados de um só pé.Os que tinham ,emprestavam um pé para os que não tinham e todos podiam igualmente, participarem do jogo.


. “Este é um país que vai pra frente...”

Esse, era o refrão mais ouvido naqueles dias. No programa do Silvio Santos, víamos uma serie de reportagens, sobre inaugurações do governo e tínhamos a clara impressão, que realmente estávamos indo para frente, havia certa confiança nos militares e para a gente pobre das periferias, essa imagem de progresso, ficou muito marcada.

No rádio na TV e nas escolas públicas, graças à censura, só nos informavam o que era de interesse dos milicos.
Nunca gostei das fotos, do carrancudo General, Garrastazu Médici e do Ministro da educação Jarbas Passarinho, estampadas em todo nosso material didático.Toda vez que falávamos em política a professora mudava de assunto.

Uma cena daqueles anos, nunca esqueci. Minha mãe era empregada domestica, num prédio da Avenida Brigadeiro Luiz Antonio em frente ao Tribunal do Segundo Exército. Algumas vezes, que fui ao seu trabalho, presenciei a chegada de vários homens: barbudos e cabeludos, descendo de jipes do exército, algemados e, escoltados por batedores de motos. Interditavam à avenida, e quando se questionava quem eram aqueles homens, sempre davam a mesma resposta: “São os comunistas,
terroristas”.

Texto inédito do livro que estou escrevendo sobre MPB.

sábado, 7 de novembro de 2009

televisão



Composição: Marcelo Fromes / Tony Beloto/Arnaldo Antunes

...Oh! Cride, fala prá mãe
Que tudo que a antena captar
Meu coração captura
Vê se me entende
Pelo menos uma vez
Criatura!
Oh! Cride, fala prá mãe!...

A mãe diz prá eu fazer
Alguma coisa
Mas eu não faço nada
Oi! Oi! Oi!
A luz do sol me incomoda
Então deixa
A cortina fechada
Oi! Oi! Oi!...

É que a televisão
Me deixou burro
Muito burro demais
E agora eu vivo
Dentro dessa jaula
Junto dos animais...

quinta-feira, 5 de novembro de 2009

Cultura,luta constante



Foto:Orquestra Afro Reggae.

Nos últimos 30 anos, produzi e participei de diversos projetos culturais e venho acompanhando desde então, as políticas públicas culturais.

Durante o inicio dos anos 80, as principais dificuldades, eram:falta de verbas,falta de espaços públicos, e os resquícios do pensamento da ditadura que restringiam manifestações e desrespeitavam o espírito democrático que é a principal sustentação do fazer artístico.

Com a Lei Sarney,iniciou-se, um processo de solução para o financiamento privado da produção artística,através de incentivo fiscal.

Neste momento, abrimos uma cartilha e fomos levados a uma série de discussões.Afinal nem o termo: marketing cultural ,era utilizado nos debates, e as agencias de publicidade ,responsáveis pelas verbas de mídia das empresas,não tinham clareza quanto à viabilidade dos projetos.Principalmente no que tangia à questão;custo- beneficio.

A grande preocupação era: se a verba voltada para as artes,não seria melhor aplicada em suas formas habituais de veiculação publicitária, e se valiam, à pena,aplicarem estas verbas, em patrocínios de projetos que pusessem em risco a credibilidade e a imagem das empresas.

Avançamos no debate, e depois da letargia cultural, que o país sofreu durante o governo Collor, muitos questionamentos, e a aplicação pratica da Lei de incentivo fiscal.Observamos problemas de ordem:fiscal, e de favorecimentos a projetos que vinculavam às empresas, a nomes de grandes artistas, em detrimento a projetos de produtores, que o seus trabalhos não eram expostos à mídia, que por sinal, também era precária em termos de divulgação de novos artistas.E ainda é.

Depois vieram as correções de percurso, com a atual Lei de Rouanet,( que já esta sendo reavaliada) corrigiram vários aspectos, principalmente das isenções fiscais e a obrigatoriedade das empresas culturais, aprovarem seus projetos no MINC antes de receberem os recursos,através de uma pré avaliação dos projetos para evitar o super faturamento.

Ainda assim,não conseguimos mudar as questões das verbas dirigidas a projetos comerciais da industria cultural, geridos por empresas profissionais que de certa forma, não dependeriam do incentivo fiscal para serem produzidos,já que o custo dos ingressos continuam inviabilizando o acesso aos eventos,para as classes sociais mais carentes, que não têm acesso à cultura.E este ao meu entender, deveria ser o objetivo principal dos incentivos fiscais.

Muitas outras leis municipais e estaduais foram aprovadas, e estão sendo utilizadas em todo país,mas ainda com grandes dificuldades de atingir seu real objetivo que deve ser pautado pelo total de projetos aprovados e viabilizados, que visem a inclusão sócio-cultural.

Quanto aos produtores de projetos, muitas conquistas foram realizadas neste período,pois alem de Marketing Cultural ter passado a ser especialização e curso nas universidades, e dezenas de livros sobre o assunto estarem a disposição de todos, inclusive pela internet. A criação das ONGs e o desenvolvimento do Terceiro Setor em muito tem colaborado para formação de produtores e artistas, e a divulgação dos mesmos. Através de iniciativas que mudaram à questão da democratização das artes e o acesso aos programas culturais.

Apesar dos avanços, também devem ser revistas a atuação das ONGs,já que as verbas não são monitoradas e muitas falhas estão sendo encontradas principalmente na distribuição aleatória de verbas públicas, para ONGs,que não são cobradas e nem são obrigadas a comprovar os seus gastos.

Muito ainda temos a questionar, aprender e desenvolver neste setor, tão rico em criatividade e ainda muito carente de verbas e espaços, visto o volume da produção existente.

A cultura brasileira, atrai a cada dia, mais interesse em todo o mundo, e com certeza este será no futuro ,nosso trunfo,para nos tornamos um país não só reconhecido internacionalmente pela: pobreza, e violência.Mas, por nossa cultura.

domingo, 1 de novembro de 2009

Sérgio Sampaio em Sampa.


Em 78, O teatro Nidia Licie na Av.Domingos de Moraes(próximo da estação Santa Cruz do Mêtro) apresentou uma série de shows.Entre eles um muito especial de Sérgio Sampaio, do qual eu conhecia apenas duas músicas,mas na ancia voraz de conhecer tudo que me parecia interessante fui vê-lo ao vivo.

Sérgio Sampaio,era um dos compositores listado entre os “Malditos”,por desenvolver a carreira à margem do que queriam as gravadoras, e não se curvar às exigências do mercado.

Sérgio nesta apresentação cantou e tocou violão acompanhado pelo violonista Renato Piau.

No repertório: O sucesso que tocou em todo país, depois da apresentação inesquecível do Festival Internacional da Canção de 72,que apesar de não ter ganho o festival marcou profundamente, aqueles duros anos de repressão.O Maracananzinho cantou num fortíssimo: “Eu Quero é Botar Meu Bloco na Rua” e mais “Cala boca Zé Bedeu”e “Que Loucura” ,com uma letra que resumia sua próprias experiências de interno, que se repetiria diversas vezes em sua vida, na tentativa de se livrar dos vícios de cocaína e álcool , “Fui internado ontem,na cabine 116 do hospício do Engenho de Dentro só comigo tinham dez...”.

Esta foi uma das raras apresentações de Sérgio em São Paulo,pois devido sua vida totalmente desregrada, não teve muitas oportunidades de mostrar seu trabalho, o que para música brasileira foi uma perda irreparável.

Ao final do show fui ao camarim,e Sérgio muito animado com o carinho da platéia paulista, lamentava o fato da industria fonográfica e os meios de comunicação,não se interessarem, em promover nada que não fosse de consumo imediato, e sua música não tocava nas rádios,e a alcunha de Maldito,lançava a sua obra e de outros grandes compositores de sua geração,como Jorge Mauthner , Luis Melodia e Walter Franco ao ostracismo musical brasileiro, cooperando ainda mais com à censura instalada naqueles anos e que devia ser combatida e não estimulada pelas gravadoras e conseqüentemente pela mídia.

Durante essa conversa lembrei da música de Gilberto Gil. “Essa é pra tocar no rádio”.
E Sérgio perguntou a todos que ali estavam: “Alguém já ouviu esta do Gil no rádio?”
Todos responderão:Não. Gargalhamos com a triste situação.

Moacir Oliveira

Texto inédito do livro que estou escrevendo sobre MPB.