quinta-feira, 26 de novembro de 2009

Cantor de Pizzaria



18h30. Chove torrencialmente. O forno da pizzaria está quente. O garçom
de Arapiraca (AL) está com um frio "retado", recém chegado na capital
ainda não foi ao Brás comprar blusa.

Apenas um cliente bebe cerveja, enquanto aguarda a meia pizza. Os
motoqueiros (entregadores de pizza) chegam paramentados parecidos com
escafandristas urbanos: macacões impermeáveis, jaquetas de couro, botas
e capacetes. Ensopados, lastimam: "o trânsito desta sexta feira está
infernal. A cidade parou. Nas próximas 6 horas o bicho vai pegar". Com
este tempo, pizza para viagem com novela é o programa predileto dos
paulistas.

Chego. Determinado, sento de frente a tv, junto ao forno para
aquecer-me. Peço uma cerveja preta, apesar do preço é a única bebida que
me apetece. Neste fim de outono, depois do trabalho e do trânsito
fatídico, deixo tudo para trás, inclusive os problemas. Relaxo e agora
sou só: cerveja preta, franguinho grelhado, alegria e música. Música?
Chamo o garçom, pergunto pelo cantor da casa e sou informado: "só às
19hs".

19h30. A pizzaria ainda vazia. Em dias mais quentes, há esta hora, a
pequena pizzaria está cheia e existe até uma disputa por lugares nas
mesas da calçada. Hoje, ao relento.

Entra um freguês, procura um lugar, senta-se, pede conhaque, reclama do
tempo e pergunta pelo cantor. De pronto responde o balconista:

"Ele só começa a cantar às oito. Já deve esta estourando por aí".

20h30. Um grupo de amigas senta-se na mesa maior para 6 pessoas. Entra
um casal. Mais três amigos. O clima começa a esquentar e o movimento vai
aumentando: pizzas, sucos, garrafas de vinhos, cervejas e refrigerantes
começam a circular do balcão para as mesas. Garçons, motoqueiros e
pizzaiolo estão a todo vapor.

21h30. Bebi, comi. Joguei conversa fora com o garçom, bati papo com um
camarada da mesa ao lado, assisti meio por cima a novela das seis, das
sete e até um pouco do jornal. Já to quase chapado. Nem lembrava mais
que o motivo de ter ido até a pizzaria era a música ao vivo, quando não
mais que de repente entra apressado com o violão em punho o cantor. Vai
direto ao caixa, se desculpa com o dono. Justifica o atraso: "O transito
está péssimo, a cidade está um caos".

Nem bem o cantor afina o violão e liga o microfone, faço logo o primeiro
pedido: Linha do Equador do Djavan. E antes do cantor dizer algo,
emendei: "como cheguei primeiro, manda também a das Laranjeiras, com a
Cássia Eller". Canto, simulo um solo de guitarra, arrisco uma percussão
na mesa. Esqueço as horas.

Começam os pedidos musicais, de todos os lados: escritos em guardanapos
amassados, aos berros das mesas de fundo ou carinhosamente
sussurrados ao pé do ouvido do cantor por alguma garota mais
delicada.

Profusão de pedidos: "a do Jota Quest", "aquela dos Paralamas", "a do
Zé Ramalho", "a outra do Alceu que você cantou a semana passada,
lembra?", "Pais e Filhos do Renato Russo". E uma do Raul para o cara da
mesa do fundo, outra do Lulu para a garota de verde da mesa oito. "Toca
outra vez Zé" grita outro. Entre tantos pedidos o cantor resmunga
baixinho: "vou cantar uma que eu gosto". Canta Pérola Negra do Luiz
Melodia.

Mas como tudo que é bom, apesar da chuva, das cervejas, das
pizzas e dos vinhos, acaba rápido. O dono da pizzaria faz um
pedido: "canta só mais uma e encerra, vou fechar a meia noite".


A freguesia embalada pelos gorós, pela música, enfim pela alegria,
inicia os pedidos da "saideira" e "só mais uma do Skank". Sob protesto
da freguesia, que ameaça não mais voltar na próxima semana se os pedidos
não forem atendidos, o dono fecha o caixa, o segurança fecha a cara, o
pizzaiolo tira o avental, o garçom ainda simpático passa um pano nas
mesas e c´est fini.

Eu, que já estava quase indo embora quando o cantor chegou, pago a
conta, também resmungo com o dono, queria mais uma, mas não tem jeito. O
Cantor desliga o microfone, guarda o violão, e promete para a próxima,
atender todos os pedidos que desta vez não foram possíveis. E a chuva lá
fora cai mais forte ainda.

Moacir Oliveira

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