quinta-feira, 19 de novembro de 2009

Novos Baianos,sempre novos.



Em 1975 a Rádio América AM, apesar de pertencer à igreja Católica, transmitia todas as noites, à Meia Noite o programa “Kaleidoscópio”, apresentado e produzido por Jacques. No ar muito rock em uma hora de som. Lançava novos discos, tocava os tão procurados discos piratas, dava dicas dos eventos.Alguns ouvintes tinham o privilegio de ouvir o programa dentro do estúdio, os que não conseguiam entrar, ficavam na porta da emissora, que virou um ponto de encontro dos roqueiros.

Numa destas audições, o Jacques informou, que no domingo à tarde, iriam se apresentar os Novos Baianos, no Colégio Equipe.(Rua Martiniano de Carvalho, próximo à Avenida Brigadeiro Luiz Antônio, Bela Vista)

Convidei alguns camaradas, mas ninguém se interessou em ir, na verdade não conheciam o som dos Novos Baianos.
Fiquei durante todo final de semana pensando: como faria? Decidi ir só.
Com o Metrô tudo ficou mais fácil, era só descer na estação São Joaquim, seguir pela R. Pedroso e estava lá.
Não deu outra. Vesti uma camiseta surrada, a calça Levis, (de contrabando peça rara) calcei as havaianas. E fui
“Caia na estrada e perigas ver...”

Quando cheguei à porta o primeiro susto: nunca havia visto tantos malucos juntos. As meninas todas de: saías, batas indianas, muitas bijuterias, sandálias e bolsas de couro.

O bar em frente lotado, cerveja rolando de montão, e eu ali: entre a porta do bar e a bilheteria, achava que não iriam me deixar entrar, pois só tinha treze anos.
Quando quase todos já haviam entrado, respirei fundo, pedi o ingresso, e sem olhar muito para ninguém, aproveitei à entrada de uma turma e pronto. Estava no pátio interno do Equipe

A platéia sentada no chão, um pequeno palco ao ar livre, o sol lindo.
Entra no palco o apresentador: Serginho Groisman, fala do projeto organizado pelo departamento de cultura do colégio, dirigido e organizado pelos próprios alunos. Comenta rapidamente sobre a banda que vai se apresentar e logo em seguida, chama ao palco Os Novos Baianos.

O time atacou com uma levada de bossa, Samba, choro que virava rock, um teleco- teco cheio de ziriguidum. Pepeu(guitarra,bandolim,violão), Baby e Paulinho Boca de Cantor(vocais), Jorginho(bateria e cavaquinho), Didi(contra baixo), Charles, Baixinho e Bola(percussão). Uma porrada de música e alegria.

Para a surpresa de todos, chegou simples e discreto: Gilberto Gil, calça e jaqueta jeans, e bolsa de couro cru. Sentou em posição de lótus, abriu a bolsa, sacou uma garrafa de Jurubeba, deu alguns goles e pôs "pra rolar". Juntou: a fumaceira e a Jurubeba, o som mais agitado, até que todos já estavam dançando.

De repente, Baby chama Gil ,ele arrasta um banquinho, pede um violão para Pepeu, e começa a cantar “Jeca Total”. Todos inclusive os Novos Baianos, sentaram-se ao redor de Gil. Ele cantou três músicas, do LP “Refazenda”.Palmas, gritos e assovios para GIL...

Pepeu assumiu o comando da guitarra baiana, saiu rasgando um solo de trio elétrico. Só morto nesta hora pra não cair na folia. Subimos no palco, pegamos os instrumentos de percussão: Pandeiro, Maracá, Agogô, Triangulo. Quando demos por nós, o som acabou e o sol se pôs.

Na volta para casa preferi ir de ônibus. Sai do Equipe vibrando,e já pensando na próxima vez.
Subi à Brigadeiro Luis Antônio, deparei com prédio do Exercito.A euforia misturou-se, com um frio na espinha,olhei bem para o soldado da guarita e pela primeira vez, senti o peso daqueles anos.

Os Novos Baianos, vestiu como uma luva, meu gosto musical, já acompanhava as apresentações no Programa do Chacrinha.O carnaval o samba, o choro eram comuns aos meus ouvidos. As guitarras e as pegadas do rock, já estavam plantadas em minha cabeça.
Não via à hora, de encontrar à turma do rock para contar sobre o show.
No final de semana seguinte,quando nos reunimos na casa do Marquinhos, (o único da turma que estudava guitarra) comecei a falar com a maior euforia dos Novos Baianos: dos solos do Pepeu que eles não conheciam, das músicas de Gil que eles ignoravam.

A turma do rock curtia: Mutantes, Terço, e sempre discutiam: quem era o melhor guitarrista:Sérgio Haidis do Terço, Sérgio Dias do Mutantes,o Luiz Carlline do Tutti Frutti,ou Celso do Made in Brasil. Eu conhecia estes todos e insistia:o melhor era o Pepeu. Mas não tinha nenhum disco para comprovar.

Ainda este ano, a Revista Pop especializada em rock, decidiu premiar, os melhores do rock nacional, em diversas categorias: melhor banda, melhor disco, melhor guitarrista etc.. O show de entrega dos prêmios, foi no Ginásio da Portuguesa, no Canindé.

Mais de dez bandas, apresentaram-se: Mutantes, Terço, Som Nosso de Cada dia, Made in Brasil, Joelho de Porco, Bicho da Seda entre outras.
Desta vez, insisti pra turma me levar. Eu era, uns quatro anos mais novo que todos e corria o risco de não entrar.
O trato foi o seguinte: se por causa da idade,eu não conseguisse entrar,voltaria sozinho para casa. Era ,pegar ou largar?Peguei,e me dei bem, não tive problemas para entrar.

Durante a premiação, as bandas iam revezando-se no palco. Na platéia: músicos, críticos de música, e público, era uma coisa só. Muita fumaça, bolinha e som muito som.
O prêmio de melhor guitarrista ( para minha alegria)foi para: Pepeu. A turma do rock não acreditou, mas quando os Novos Baianos entraram no palco, todos se renderam aos solos e ao suingue do guitarrista baiano.


Durante meses, andei por todas as lojas de disco da cidade, para comprar o novo disco dos Novos Baianos “Caia na Estrada e Perigas Ver”. À final precisava chegar em casa com o meu primeiro LP debaixo do braço, e na primeira oportunidade pôr “pra rolar” o som, nas tardes de sábado, para turma do rock.

Dia 11.11.76, cheguei em casa ansioso,corri para o toca-discos,chamei à família, e em alto e bom som,ouvimos animadíssimos. Não só uma vez, mas logo três em seguida.
Foi um longo tempo de espera,entre o show, do Equipe e o Lançamento de “Caia na Estrada e Perigas ver”.

Repertório diversificado: o choro de Valdir Azevedo “Brasileirinho”, que depois da execução do tema original: “pandeiro,cavaquinho e o violão na marcação” interpretado por Baby,vira um super rock: “guitarra,bateria e o baixão na marcação”.
Gravaram: Jackson do Pandeiro “Ziriguidum”, e as letras de Galvão:“Na Banguela” “Viver num ar poluído ou morar no Arpoador...” um Rock pesado em parceria com Pepeu, e a sensibilíssima: “Sensibilidade da Bossa” “Ainda sou o amor o sorriso e a flor,mas que agora apareceu mais um espinho” bossa nova, cantada por Paulinho Boca, num reconhecimento, público- musical da importância de João Gilberto na opção mais samba, que o grupo vinha amadurecendo desde “Acabou chorare”.( disco de 72, ainda com a participação de Moraes Moreira)

Os Novos Baianos sintetizou a inspiração dos 70, tanto no que diz respeito ao comportamento quanto à música.
Vivendo em comunidade numa uma cobertura no bairro de Bota Fogo, Rio de Janeiro e depois num sitio em Jacarepaguá RJ, misturavam: futebol,samba,choro rock,fumo e LSD, numa alquimia que só eles poderiam formular,fruto da origem baiana da maioria de seus integrantes,mais a energia e despojamento carioca de Baby. Em "Caia na Estrada e Perigas Ver",João Gilberto é homenageado,em "Suor do Som"(Jorginho e Galvão) "João,gira na bola,João gira na vitrola..."numa interpretação totalmente cool de Baby.

Como fazia, Caetano:"Todos os anos passar pela casa dos Novos Baianos..."
João Gilberto,amigo de Galvão, lá de Juazeiro,BA onde nasceram,também visitava o grupo e nas intermináveis horas de música,desfiava um rosário de pérolas da música brasileira.Fonte de água pura para o som dos Novos Baianos.

Moacir Oliveira

Texto inédito do livro que estou escrevendo sobre MPB.

Festival de Cinema de Brasília.

Filhos de João, Admirável Mundo Novo Baiano
direção: Henrique Dantas
documentário, cor, 35mm, 75min, BA, 2009



O filme traça um rico panorama da Música Popular Brasileira dos anos 60 e 70, através do revolucionário e inovador grupo musical Novos Baianos. Particularmente, trata da influência de João Gilberto sobre os rumos musicais do grupo e da importância do mesmo para o aprimoramento da música tocada e composta por eles. Traz uma retrospectiva do estilo de vida comunitário adotado durante algum tempo e a influência sobre os resultados no trabalho. Temas como contracultura, carnaval do Brasil, cinema, tropicalismo, ditadura militar, dentre outros, circulam em torno das vivências do grupo, trazendo necessárias e importantes reflexões para a compreensão da cultura contemporânea no Brasil. O filme traz raros e inéditos materiais de arquivos, MPB da melhor qualidade e participações especiais de Tom Zé, Rogério Duarte, Orlando Senna, entre outros.



elenco: entrevistados: Tom Zé, Orlando Sena, Rogério Duarte, Mário Luiz Tompsom de Carvalho, Solano Ribeiro, Joildo Góes, Nonato Freire e Armandinho. E os integrantes do grupo: Moraes Moreira, Galvão, Baby do Brasil, Pepeu Gomes, Paulinho Boca de Cantor, Dadi, Didi Gomes, Jorginho Gomes, Gato Félix, Bola Moraes (em memória) e Charles Negrita

produção executiva: Henrique Dantas
roteiro e montagem: Henrique Dantas e Bau Carvalho
fotografia: Hans Herold
som: Nicollas Hallet
música original: Novos Baianos e Roberto Barreto
produtora: Hamaca Filmes

Um comentário:

André disse...

Adorei seu texto sobre os "Novos Baianos" estudei no Equipe nos idos de 1975 e fui a vários Shows lá, inclusive a este que você relata com perfeição que me fez voltar a minha adolescência. Espero que seu livro sai breve e traga esta e outras histórias da nossa Música.